sábado, 18 de agosto de 2012

O Anteprojeto do Código Penal Brasileiro ofende a racionalidade



Entrevista com especialista em direito penal, Dra. Janaina Paschoal

BRASILIA, sexta-feira, 17 de agosto de 2012 (ZENIT.org) – No passado 27 de julho o presidente do Senado do Brasil, José Sarney, recebeu, das mãos do Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp, o anteprojeto do novo Código Penal brasileiro.
Nessa Solenidade, o ministro Gilson Dipp presidiu a comissão dos 15 juristas que há mais de 7 meses foi designada para elaborar o Anteprojeto.
No entanto, depois que o Senado disponibilizou o texto integral (pode ser lido clicando aqui) começaram a surgir várias dúvidas e também algumas perplexidades na sociedade brasileira. O que o novo Código Penal traz de bom ou de ruim para a sociedade? Houve real participação popular? O que são 6 mil sugestões para 200 milhões de Brasileiros? Por que aprovar o novo código às pressas?
Para responder a essas e a outras perguntas ZENIT entrevistou a Dra. Janaina Paschoal, advogada e professora livre docente de direito penal da USP, esperando poder contribuir para o debate.
Publicamos a entrevista na íntegra:
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ZENIT: O Anteprojeto do Código Penal foi elaborado pelos melhores juristas brasileiros?
DRA. JANAINA: Não sou adepta da tática de atacar ideias, desmerecendo seus autores. Por isso, o que posso te dizer acerca dos membros da Comissão é que são pessoas, que trabalham na área há um bom tempo e que, em grande parte, possuem títulos acadêmicos, sendo alguns, inclusive, professores. Se são melhores ou piores do que outros conhecedores da matéria, não me compete opinar.
ZENIT: Houve mais ciência jurídica para a elaboração desse anteprojeto do que para a elaboração do código vigente?
DRA. JANAINA: É preciso esclarecer que a Parte Geral do Código Penal de 1940 foi completamente refeita em 1984, por um grupo de professores que, ainda hoje, são considerados os maiores conhecedores da matéria. Dentre eles, cito Miguel Reale Júnior.
Com relação à parte especial, que é a que prevê os crimes, ela realmente foi elaborada em 1940, mas já sofreu diversas alterações pontuais. Há aspectos positivos, aspectos negativos, pontos ultrapassados, como ocorre com qualquer lei.
ZENIT: Está havendo real participação popular nesse anteprojeto?
DRA. JANAINA: É preciso deixar bem claro que, apesar de este Código de 40 ter sido elaborado em época ditatorial, houve muito mais discussão do que está havendo relativamente ao projeto atual. E, naquela época, não existia internet, e-mail, etc. O Ministro Francisco Campos nomeou uma primeira comissão, liderada por Alcântara Machado, depois o primeiro projeto foi submetido por uma Comissão revisora, liderada por Nelson Hungria. E a primeira Comissão teve oportunidade de se manifestar sobre as críticas apresentadas. Paralelamente, juristas da época tiveram chance e tempo de se manifestarem sobre as diversas propostas.
ZENIT: Por que tanta pressa para aprovar este Código?
DRA. JANAINA: Confesso que não sei qual a pressa para a aprovação deste Código. Não há nenhum dispositivo que se revele muito importante para a sociedade. Aliás, está-se divulgando que a violência e a corrupção serão combatidas, mas não há nada no projeto que indique isso. A título de exemplo, aponto que o peculato (desvio de verbas públicas) teve a pena diminuída. E o novo crime de enriquecimento ilícito, tão alardeado, certamente será considerado inconstitucional.
ZENIT: E sobre o tema da vida humana? Qual é a proposta do Anteprojeto?
DRA. JANAINA: A vida fica flagrantemente desvalorizada. Eis alguns artigos, mas, em resumo, onde eles estão criando os crimes de abandono e omissão de socorro a animais, punindo-os de maneira mais severa do que ocorre com relação às pessoas. Pelo projeto, omitir socorro a uma pessoa, rende uma pena de 1 a 6 MESES. Já, omitir socorro a um animal, leva a uma pena de 1 a 4 ANOS. Pelo projeto, abandonar um incapaz, ou um animal, leva à idêntica pena de 1 a 4 ANOS. Hoje, a pena para quem abandona pessoas incapaz é menor. Mas não é só isso.
ZENIT: O que mais?
DRA. JANAINA: O médico que faz um aborto está tendo sua pena diminuída para 6 meses a 2 anos, enquanto uma pessoa que impede a procriação de um animal (uma espécie de aborto) recebe uma pena de 2 a 4 ANOS. Veja que não é uma questão de ter ou não vida, não tem nada de religioso na discussão. Estão, de forma acintosa, conferindo mais valor à vida dos bichos que a das crianças.
Eu não sou uma ativista pro, ou contra, aborto. Mas a racionalidade está sendo ofendida com esse projeto. E as pessoas não estão se dando conta de tal situação. O que intriga é que se alardeia que o projeto veio para corrigir desproporcionalidades.
ZENIT: E a eutanásia, o aborto e as drogas?
DRA. JANAINA: A eutanásia, a meu ver, está prevista de uma forma muito ampla, que pode dar margem a muitos abusos. O aborto, por meio indireto, está sendo legalizado. As drogas são um tema mais complexo. Eu trabalhei muito na área de prevenção e acho que a legislação atual é melhor. Não vejo problema em retirar o usuário da esfera penal, mas temos que tomar cuidado para não ajudar a organizar o tráfico. Essa onda favorável à legalização das drogas é uma grande ilusão. Todo governo autoritário quer sua população dopada. Ademais, não há país no mundo, em que as drogas sejam totalmente legais.
ZENIT: O que o povo brasileiro ainda pode fazer para propor mudanças?
DRA. JANAINA: Veja, não quero demonizar o projeto, mas não podemos reverenciar bandeiras ideológicas. No mínimo, essas mudanças polêmicas teriam que ser melhor amadurecidas e discutidas. Na minha área, poucas pessoas estão dispostas a enfrentar os ônus dessa discussão. Eu prefiro fazer isso agora, do que reclamar da lei futuramente. O projeto não melhora a situação do país. Então, por que a pressa?

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